segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A defesa de Lobato contra o parecer do CNE

Há algumas postagens atrás publicamos um texto de Marisa Lajolo criticando o parecer do Conselho Nacional de Educação vetando Caçadas de Pedrinho nas escolas brasileiras. Publicamos agora uma bem humorada resposta à prática do "politicamente correto" feita (acreditem!) pelo autor, lá do além, após muito ter se revirado na tumba...


REINAÇÕES DE POLITICAMENTE CORRETINHO

Não sei se vocês leram que o Conselho Nacional de Educação (CNE) pediu que meu livro, Caçadas de Pedrinho, fosse retirado das escolas. Motivo? No entender do órgão, algumas frases da história são racistas, especialmente as relacionadas à personagem Tia Nastácia. Como medida conciliatória, alguns sugeriram a inclusão de uma nota explicativa sobre o contexto histórico em que o livro foi escrito, de tal forma a evitar que esse clássico da literatura infanto-juvenil deixe de circular entre os estudantes brasileiros.

Minha intenção aqui não é me defender nem tampouco alimentar o fogo dessa polêmica. Meu ponto é outro. Gostei da ideia de introduzir uma nota explicativa. Mas em vez de contextualizar o passado, talvez fosse melhor dedicá-la a contextualizar o presente. Pelo simples fato de que as crianças de hoje perderam bastante da ingenuidade e estão afastadas do convívio com a natureza.

Aquela expressão “tirem as crianças da sala” não faz mais sentido. Elas assistem a tudo na internet. Um adolescente de hoje já viu mais sexo na web do que toda a juventude sueca da década de 70 viu nas famosas revistinhas que circulavam por lá. Qualquer letra de rap ou funk é mais do que suficiente para eliminar as reservas de inocência e pureza naturais da tenra idade. Em compensação, as novas gerações só identificam uma galinha em dois formatos: jpg e bandejinha de supermercado.

Ao reler minha obra sob esse prisma, fiquei preocupado. As histórias seguem boas, mas a narrativa, os nomes dos personagens e dos lugares podem servir de munição pesada para interpretações maliciosas e piadas de duplo sentido. Entendam, quando escrevi minha coleção de livros infanto-juvenis as crianças da idade do Justin Bieber não cantavam sobre amores impossíveis e não assistiam a filmes como Tropa de Elite desacompanhadas dos pais.

Por tudo isso, decidi acatar a sugestão de alguns. Redigi a tal nota de esclarecimento que deve ser incluída nos meus livros infanto-juvenis (se é que isso ainda existe).

Nota de esclarecimento (Nota de esclarecimento sobre o termo esclarecimento. O mesmo foi aqui empregado não no sentido de tornar mais branco, mas sim no de se fazer mais explicado, com mais luz).

A personagem Dona Benta sempre esteve na história original. Ela não foi incluída posteriormente como merchandising de uma conhecida farinha de trigo.

O carinhoso apelido de Narizinho não sugere que tal personagem tem por hábito o consumo de drogas ilícitas pela via nasal. Quem o tem é a Emília, que ganhou vida ao aspirar o tal pó de pirlimpimpim.

Não há nenhuma evidência de que o Visconde de Sabugosa, apesar de falar com grande sabedoria, seja transgênico.

Marquês de Rabicó. Eu sei, é um nome complicado. Pode zoar à vontade.

Não é o que está queimando no cachimbo que faz o Saci pular sem parar. É a falta de uma perna mesmo.

Por fim, Sítio do Picapau Amarelo não é uma menção à propriedade rural de um órgão genital masculino de um oriental. Eu jamais cometeria um pleonasmo como Pica-Pau.

______________________________

Postado (do além) por: Monteiro Lobato
Fonte:
http://www.blogsdoalem.com.br/lobato/

Nenhum comentário:

Postar um comentário