Marciano Lopes
No segundo semestre de 2009 realizei juntamente com os alunos de três turmas do curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá uma proposta de produção de blogs aliados à prática de seminários. Conforme expus em uma
postagem do ano passado, quando iniciava as experiências cujo resultado agora apresento, nas disciplinas de
Literatura Brasileira: Poesia, do 2º ano de Letras noturno (habilitações duplas), dividi as turmas em grupos de cinco membros, cabendo a cada um manter um blog cujo tema era o ponto sorteado para o seminário da última avaliação. Além dos blogs dos grupos, criei um gerenciado apenas por mim:
Poetas do Brasil (
http://poetasdobrasil.arteblog.com.br/). Este blog, que chamei de “blog-mãe”, teve por
objetivos:
a) tratar dos poetas da fase colonial até o modernismo (período que deveria ser estudado em classe), ficando o período posterior para eles tratarem nos blogs e nos seminários;
b) servir de portal para acesso aos demais blogs criados pelos alunos, assim funcionando como um portal de entrada para eles – ou também como um “blog-mãe” (em alusão à expressão “nave-mãe”), pois serve como agregador dos demais blogs que a ele se conectam formando uma teia.
Com a terceira turma, da disciplina de
Tópicos de Literatura Brasileira, que teve por conteúdo o estudo do conto brasileiro pós 1970, resolvemos fazer um único blog, que foi alimentado por mim e pelos grupos, que também receberam um ponto temático cada um. Trata-se do blog
Contos e encontros:
http://contosdobrasil.arteblog.com.br/ (imagem do cabeçalho acima, na abertura desta matéria).
No caso da primeira disciplina, Literatura Brasileira: Poesia, o blog Poetas do Brasil serviu para minimizar as inevitáveis e largas lacunas no desenvolvimento do programa devido ao reduzidíssimo tempo de um semestre para estudar toda a poesia brasileira desde o período colonial até a contemporaneidade. As vantagens com relação à avaliação tradicional dividida em prova escrita, artigo e seminário, foram várias, mas antes de tratá-las julgo pertinente começar apontando alguns critérios de avaliação estabelecidos para avaliar a produção dos alunos em seus blogs e que foram fundamentais para garantir a qualidade da produção, a pesquisa contínua sobre o tema (evitando aqueles trabalhos feitos na última hora) e a interatividade (de modo que cada grupo não fique com suas leituras restritas ao seu tema, como acontece nos seminários em geral):
a) frequência mínima de postagem: uma por semana;
b) variedade nos tipos e gêneros textuais assim como nas mídias utilizadas em cada postagem, as quais têm diferentes pesos na avaliação conforme a quantidade de informação agregada à(s) original(is),
c) interatividade entre os grupos: cada grupo deveria visitar os dos outros grupos, o que poderia ser verificado pelo uso da ferramenta "Comentários" ou pela presença marcada em "Visitantes mais recentes". No caso do trabalho coletivo em um único blog, os participantes deveriam interagir através da ferramenta "Comentários" internamente, visitando as postagens dos colegas dos outros grupos.
d) obrigatoriedade no estabelecimento de uma rede de contatos e navegação através das ferramentas “Meus Amigos” e “Links Favoritos” – de tal modo que o visitante possa facilmente circular por todos os blogs produzidos (no caso da disciplina Literatura Brasileira: Poesia, em que cada grupo criou e manteve um blog próprio) e sites afins,
e) obrigatoriedade do uso da ferramenta “Comentários” sem moderação.
DIFICULDADES ENFRENTADAS
O uso dos blogs nas duas disciplinas voltou-se para uma estratégia de ensino alicerçada nas ideias de interatividade, pesquisa e produção críticas, no entanto, implantar esta atitude em um meio e cultura nos quais a reprodução/cópia é a regra, não é tarefa fácil. Apesar do recurso da Internet favorecer a reprodução acrítica de textos alheios, acredito que a exigência de criação de textos próprios, ou seja, com linguagem própria (mesmo que parafraseando as fontes), e a obrigatoriedade de informar o devido crédito e implantar o hiperlink, no caso de fontes existentes no ciberespaço, tenha conduzido os alunos a assumirem uma atitude de maior responsabilidade e respeito, mesmo porque o não cumprimento de tais exigências os coloca numa situação desconfortável e perigosa, visto que qualquer internauta – especialmente os autores dos textos fontes – poderão constatar a atitude anti-ética do plágio no caso deste ocorrer.
Outro problema enfrentado diz respeito à dificuldade de inclusão digital do aluno. Foram muitos que encontraram dificuldade no desenvolvimento da proposta por não terem computador em casa ou por não tê-lo conectado à Internet. A saída encontrada foi a de reunirem-se os membros de cada grupo periodicamente na casa de quem tivesse computador conectado à internet (especialmente na daqueles em que a conexão é ADSL) e de distribuir as atividade de edição levando isso em consideração, de modo que àqueles que não tinham o acesso caseiro à internet fizessem atividade tais como pesquisa em fontes bibliográticas, escritura e revisão dos textos.
Na condição de professor, o maior problema enfrentado foi a falta de tempo e condições físicas para acompanhar a produção de todos os blogs – um de Tópicos de Literatura Brasileira e doze de Literatura Brasileira: Poesia) e ainda produzir em dois blogs. Até metade do período da experiência conseguia acompanhar revisando as postagens e deixando comentários com indicações de problemas de redação ou diagramação a serem corrigidos, críticas, dicas e sugestões, porém isso foi se tornando cada vez mais difícil na medida em que os alunos iam pegando prática e gosto na execução do trabalho, passando a produzirem em maior escala. Para resolver este problema de controle da qualidade final das postagens, solicitei no término do semestre que cada grupo imprimisse suas postagens para que eu as lesse e corrigi-se. Feito isso, eram devolvidas para que fizessem as correções nas postagens e depois reimprimissem novamente para entrega do trabalho final contendo: uma introdução apresentando a proposta pedagógica e do blog em questão e uma conclusão apresentando os aspectos positivos e negativos da experiência.
ASPECTOS POSITIVOS
Salvo os problemas acima apontados, foram vários os aspectos positivos da estratégia, destacando-se:
a) A melhor qualidade dos seminários ao final da disciplina, uma vez que os alunos eram obrigados a estar continuamente em contato com os conteúdos dos mesmos, pesquisando-os e reelaborando-os para a realização das postagens semanais. Com tal estratégia evitou-se em grande medida a prática comum dos alunos prepararem o seminário “na última hora”, o que regra geral resulta em um desastre devido à falta de reflexão e debate entre os pares do grupo sobre o material pesquisado.
b) A prática de produção de outros gêneros textuais além daqueles tipicamente acadêmicos (tais como resenhas, artigos e monografias) e o desenvolvimento da consciência de que ao se escrever deve-se ter em mente o público-alvo e o suporte da publicação, de modo a adequar não somente a linguagem como também o gênero textual aos mesmos. Em outras palavras, por se tratar da produção de blogs que funcionam como revistas on-line, os alunos deixaram de escrever para o professor (como é a prática recorrente) e foram levados a refletir sobre a necessidade de utilizar outras linguagens além da acadêmica e de adequá-las – assim como a estruturação e diagramação textual – ao público leitor e ao espaço da tela, que é diferente do espaço de uma revista impressa ou mais ainda de um livro. Aos poucos, eles foram percebendo a necessidade de formularem textos com uma linguagem mais coloquial (sem abrir mão da correção gramatical), com menor extensão, com imagens e/ou outros recursos midiáticos (tais como arquivos de som ou vídeo) de forma a torná-los mais atraentes/sedutores e de compreensão facilitada a um público leigo no assunto.
c) A melhor circulação dos conteúdos dos seminários de cada grupo entre todos os alunos das turmas, posto que houvesse como um dos critérios de avaliação a obrigatoriedade de cada grupo visitar os blogs dos colegas e deixar comentários com sugestões, críticas, ou mesmo perguntas e divergências. Essa estratégia, além da possível curiosidade dos alunos em conhecer e acompanhar os blogs dos demais colegas, minimiza a prática recorrente dos grupos ficarem restritos ao estudo e à recepção dos conteúdos do seu seminário. Como todo professor sabe, é comum que os alunos não prestem muita atenção à apresentação dos seminários dos demais, uma vez preocupados na apresentação do seu, que é feita para o professor, e não para os colegas. E como a apresentação do seminário é apenas um momento no desenrolar do curso, a aquisição dos conteúdos tratados neles fica por demais prejudicada. Entretanto, com a prática de visitas aos blogs dos outros grupos, a transmissão e troca dos conteúdos desenvolvidos entre os pares não fica restrita ao momento do seminário.
d) O desenvolvimento do espírito de equipe, uma vez que a produção dos blogs, sendo similar a de uma revista, leva-os a perceber importância e a necessidade de divisão do trabalho em diversas fases/atividades do trabalho de edição (tais como pesquisa, redação, revisão e diagramação).
e) A valorização do trabalho escolar, que deixa de ter um fim em si mesmo. Com isso, o trabalho não se esgota na sua entrega ou realização com vistas apenas à avaliação, pois o aluno deixa de realizar o trabalho para o professor e para a obtenção de uma nota, passando a escrever para um público leitor real. Além desse aspecto positivo, o resultado final permanece disponível a todo internauta, podendo servir aos professores de língua e literatura (ou outras artes) como apoio didático.
f) Maior interatividade entre professor e aluno, que deixa a atitude passiva e passa a produzir conhecimento, contribuindo para o curso durante todo o tempo, e não apenas nos momentos de seminário ou nas raras contribuições em sala, posto que são poucos que intervém com perguntas, comentários, discussões etc. – até porque muitos que gostariam de fazê-lo às vezes não o fazem devido à rejeição que poderão sofrer de alguns colegas. Em várias ocasiões aproveitei as postagens de alguns grupos para o desenvolvimento de aulas, trabalhando com a leitura e discussão de textos artísticos e críticos feitas por eles – o que, às vezes, levava-os a refazerem suas postagens ou mesmo a fazerem novas postagens sobre o assunto ou texto em discussão. Isso aconteceu de forma muito interessante e intensa na disciplina de Tópicos de Literatura Brasileira, em que a discussão inicial sobre o conto “Botão de Rosa”, de Murilo Rubião, feita com base em uma postagem do grupo que estava pesquisando sobre o conto fantástico, levou o mesmo a produzir mais três, aproveitando na redação dos novos textos as discussões realizadas em classe, incorporando opiniões, leituras e informações feitas pelo professor ou por colegas. Com essa prática, se rompe a unidirecionalidade do ensino bancário favorecendo ao aluno vivenciar a construção do conhecimento como um processo vivo, dinâmico e dialógico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pode-se ver, a experiência realizada contemplou o uso dos blogs tanto como recurso assim como estratégia, conforme propõe Maria João Gomes (2005) e António Marcelino Lopes em estudo conjunto com ela - conforme apresentado na postagem anterior sobre "O blog como ferramento de ensino - problemas e proposições" e especialmente na postagem "O uso de blogs no ensino de literatura e redação", de setembro de 2009 . Aliás, acredito ter dado um passo além das proposições da pesquisadora portuguesa na medida em que se conciliou num mesmo blog as duas possibilidades de ação ao mesmo tempo em que se superou o uso deste como um portfólio por parte dos alunos.
Por fim, é importante informar que a relação dos temas desenvolvidos nos seminários da disciplina de Literatura Brasileira: Poesia – assim como o URL de cada blog produzido – encontra-se na página de descrição do blog-mãe Poetas do Brasil: http://poetasdobrasil.arteblog.com.br/p/profil. Também é possível acessarmos estes blogs através da relação dos “Favoritos” no menu do blog-mãe. Apesar de todos apresentarem um resultado final satisfatório, gostaria de destacar os três que considero os melhores devido à excelência alcançada e o perfil voltado para uma educação étnico-racial: